AGORA que estamos esclarecidos, pelo menos nos conceitos, regressemos ao princípio da política, tal como a conhecemos visitando a memória de Platão que tendo nascido em 428 aC nos deixou explicado que a capacidade racional e o intelecto levaria os políticos a um modo de governar justo e que atendesse da melhor forma o interesse de toda a cidade. Nos caminhos do Estad(i)o Laico!

Na Grécia antiga – período considerado a partir do século IV aC – Cidade-Estado era modelo de organização do poder numa sociedade politeísta que afectada nos costumes apenas traduzia a sua influências na virtude e justeza das leis.
Estávamos nas chamadas pólis, essas cidades que exerciam soberania dentro do país em que estavam, e eram conhecidas por serem um centro político, cultural e económico. Era visível na religião, na língua e na literatura que uma cidade-estado era diferente do território circundante.

O advento do direito
Atenas se tornou um paradigma do direito grego, principalmente por ter sido ali que a democracia se desenvolveu e o direito atingiu uma forma mais aperfeiçoada quanto à legislação e processo.
Em Esparta nasceu a ideia dos “Três Poderes” constitucionais:
O Eforato – Supremo Tribunal
O Conselho de Anciãos – Senado
A Apela – Assembleia dos Cidadãos
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TAMBÉM DEVE LER:
https://direitoromanolacerda.wordpress.com/2013/05/27/a-laicidade-do-direito-romano/
O Caminho da Moral laica iniciado em Roma
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O Império da Igreja Católica
Revisitada a memória dos fundamentos da nossa civilização, tenhamos em conta a decisão de Constantino ao definir o catolicismo como religião do império romano resolvendo com isso a unidade “ideológica” de povos que subjugados ao poder das armas afirmavam a sua identidade, pelos costumes e culturas próprias. Rececebeu disso o proveito e a Igreja Católica entrou no jogo.
E assim se colocou o problema das relações entre o “poder eclesiástico” e o “poder civil”, no plano prático até porque podemos dizer que a Igreja (nasceu?) se desenvolveu dentro da organização política do império romano e nunca discutiu a legitimidade da autoridade civil.
Nos primeiros séculos, não aparece nos escritores cristãos uma doutrina orgânica das relações entre o poder eclesiástico e o civil, dando-se por contentes com o mandato evangélico: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” – sabendo nós que estes escritores se contentavam com a indicação de Paulo: “Omni potestas est a Deo” (todo o poder é de Deus).
Acontece que com o coroação do Carlos Magno, como imperador do Ocidente (ano 900) a ideia do império romano é reforçada com o Papa e o Imperador como figuras supremas da ordem social às quais correspondem duas missões distintas: ao primeiro a “ordem espiritual”, ao segundo a “ordem secular e temporal”.
A Idade Média está cheia de relatos sobre a consciência comum do valor sobrenatural da Igreja e portanto da proeminência do poder espiritual sobre o poder civil. E da influência da religião (cristianismo) na vida social e politica tinham que resultar inevitavelmente interferências entre o temporal e o religioso que resultaram em conflitos, com o imperador a atribuir-se missões sacerdotais e os papas a não renunciarem às questões seculares e temporais!
Gregório VII -1025-1085
O primeiro grande conflito acontece, no século XI, entre Henrique IV da Alemanha e Gregório VII ocupado que estava a “fazer frente à corrupção do clero” e, ao mesmo tempo a prestar atenção às “pretensões do imperador germânico”.
Inocêncio III estabeleceu entretanto uma nova síntese – coisa de canonista – que defendia o dualismo dos poderes (espiritual e temporal) aceitando o princípio da independência do Estado civil. Mas durou pouco o consenso, passando a defender que o Papa “tem o direito de examinar e aprovar a pessoa escolhida para imperador” recebendo este a “unção, a consagração e a coroa”!
Maquiavel, como engrandecer o Estado
Nicolau Maquiavel tinha um sentido apurado para analisar as oportunidades da vida e não se deu ao trabalho de aprofundar muito as teorias filosóficas da época, mas distinguiu-se como um “espírito político humanista” e absolutamente pouco interessado nos problemas que vinahm sendo tratados séculos antes na Idade Média.
Escreve com a nostalgia da grandeza da antiga Roma em contraste com a debilidade e a impotência das pequenas repúblicas italianas do seu tempo. E empenha-se em defender e manter o engradecimento do próprio Estado perante as lutas entre repúblicas rivais e frente a inimigos poderosos.
Não se propõe formular uma teoria sistemática nem projectar nenhum Estado ideal, como Platão, mas antes expor u,a doutrina prática para dirigir a conduta dos governantes, baseada na condição real da natureza humana, da qual, aliás, não confiava muito!.
Para ele, a política é uma técnica que deve ter por função primeira a unificação e a reorganização do Estado, sublinhando que a “virtude” fundamental do príncipe “não é a justiça, mas antes a prudência”.
Despido de peocupações religiosas, embora fosse cristão, olhava para a política de forma desligada da ordem religiosa e de qualquer princípio moral normativo, dado que para ele a política não é mais que a arte de de criar, engrandecer e conservar o Estado, através da vontade do príncipe, em virtude do jogo de forças naturais, à margem de toda a consideração religiosa ou moral.
Em carta a Francesco Vettori é muito explícito: “Eu examino como se adquire um principado, como se conserva e como se perde”.
O poder absoluto do Estado
Para o nosso autor, a boa política deve colocar por cima de tudo o interesse e o bem do Estado, dado que o interesse do príncipe (só pode) se identifica com o do Estado e vice-versa. E concedendo que o Estado seja uma criação humana, ou obra de arte do príncipe, assinala que o fim do Estado não se subordina a nenhum outro, natural ou sobrenatural.
Pelo que todos, indivíduos, família, leis, moral e religião se devem subordinar ao interesse supremo do Estado. Não é o Estado para os cidadãos mas os interesses destes devem subordinar-se aos do Estado.
Não sendo um beato, era cristão crítico, sublinhando a visão política e onde assinalava a vantagem do paganismo que “promoveu a grandeza de Roma” e a desvantagem do cristianismo que ensinando a “mansidão, a humildade e o sofrimento” acaba por debilitar os homens… E lembrava, os Estados não se defendem com o Pai Nosso!
Príncipe, o livro de Maquiavel teve ressonância mundial, apesar de ter sido impresso apenas quatro anos depois da sua morte, e é hoje trave mestra para acolhermos e percebermos o que estava para vir.
…Sempre a França!
Montesquieu (1689-1755)
Permitam-me saltar 200 anos, para chegar a França e encontrar Montesquieu, aliás o senhor Carlos Luis de Secondat, barão de Breda perto de Bordéus (1689-1755) que defendia deverem existir três formas de governo:
a) a República – onde o sujeito do poder é todo o povo (democracia) ou algumas famílias (aristocracia)
b) a Monarquia – onde o príncipe tem todo o poder, mas governa conforme as leis estabelecidas e com a ajuda dos poderes intermediários subordinados (nobreza)
c) o Despotismo – onde um só governa sob o seu capricho e conforme a sua vontade, sem lei nem regra.
Os enciclopedistas
1788 – a Revolução Francesa
Nos anos que se seguiram à revolução, o Estado francês tomou medidas em direção ao laicismo propriamente dito.
- 1790: todos os bens da Igreja foram nacionalizados;
- 1801: a Igreja passou para a tutela do Estado;
- 1882: o governo determina que o sistema de ensino público deve ser laico;
- 1905: a França se tornou um Estado Laico, separando definitivamente Estado e Igreja e garantindo a liberdade filosófica e religiosa;
- 2004: entra em vigor uma lei que proíbe vestes e símbolos religiosos em quaisquer estabelecimentos de ensino.
Nos Estados Unidos
Vale ainda mencionar o caso dos Estados Unidos e a separação entre Igreja e Estado. A Constituição Americana foi aprovada em 1787 – e portanto, antes da Revolução Francesa – não criava nenhum vínculo entre Igreja e Estado, o que pode nos levar ao entendimento de que este tenha sido o primeiro país laico. Porém, a Constituição não deixava explícito que eles deveriam estar separados, apenas não fazia qualquer menção ao tema. Foi apenas na primeira emenda constitucional, em 1791, que se estabelece que “o Congresso não fará lei estabelecendo religião oficial, ou proibindo o livre exercício delas”.
Em Portugal
A Constituição da República afirma: “O Estado é laico”?
A afirmação é dita e repetida até à saciedade, mas importa ser muito claro. A resposta à pergunta é, apenas, uma: não! De facto, em nenhum momento a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de abril de 1976, afirma «o Estado é laico» ou «a República Portuguesa é laica».
Hoje, com os meios tecnológicos de que dispomos, não precisamos de mais de dois minutos para o confirmar. Qualquer busca, no documento fundamental da III República, permitirá verificar que as palavras «laico», «laica» ou «laicidade» estão ausentes deste diploma estruturante.
A repetição da frase gerou, porém, a convicção de que esta ali se encontrasse. Tal afirmação, porém, terá de se procurar em outros documentos que não do quadro jurídico português.
É o caso da Constituição da República Francesa que, logo no seu artigo 1.º afirma que «A França é uma República indivisível, laica, democrática e social.».
Contudo, a história da França não é a história portuguesa e vice-versa. Portugal viveu, com efeito, revoluções que tiveram tiques laicistas como aquele que tomou o espírito dos constituintes franceses.
Assim aconteceu, concretamente, no contexto da nossa I República. Contudo, a história veio a mostrar que essa vertigem laicista desrespeitava a sensibilidade do povo, tendo-se conseguido, após uma experiência também ela pouco positiva da segunda república, uma posição de equilíbrio que se configurou na Constituição da III República Portuguesa.
LUÍS PEREIRA DA SILVA
Presidente da Comissão Diocesana da Cultura de Aveiro in Correio do Vouga, 14 de Junho de 2017.
A fronteira entre o Estado e a Igreja
Chegamos assim ao que verdadeiramente interessa: como interagem estas duas instituições (Estado e Igreja) naqueles assuntos que dizendo respeito a todos são naturalmente específicos mas que sendo vividos, experienciados, pelos portugueses têm implicações na afirmação de cada uma das instituições?
O conflito de 1958
Na história recente das tensões políticas nas relações Igreja-Estado temos a carta do Bispo do Porto, António Ferreira Gomes que de Roma decidiu enviar uma comunicação ao Chefe do Governo da altura para preparar uma eventual reunião entre os dois, precisamente para aclarar os assuntos de fronteira onde se discutia o papel da Igreja na sociedade portuguesa e a sua relação com o Estado português, entretanto protocolado por tratado internacional, a Concordata.
Nessa missiva colocava o homem de Guilhufe, Penafiel ( que antes de ser bispo do Porto tinha sido de Portalegre e onde experimentou pela primeira vez a sensação de ser ouvido “com atenção” nas suas homilias…) quatro questões e que eram as seguintes:
Em consequência e à luz de tudo quanto escrevi, condensarei aquilo que desejaria perguntar a V. Exa em quatro pontos:
1°- Tem o Estado qualquer objecção a que a Igreja ensine livremente e por todos os meios, principalmente através das organizações e serviços da Acção Católica e da Imprensa, a sua doutrina social?
2º- Tem o Estado qualquer objecção a que a Igreja autorize, aconselhe e estimule os católicos a que façam a sua formação cívico-política, de forma a tomarem plena consciência dos problemas da comunidade portuguesa, na concreta conjuntura presente, e estarem aptos a assumir as responsabilidades que lhes podem e devem caber, como cidadãos católicos?
3º- Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos definam, publiquem e propaguem o seu programa ou programas, politicamente situados, em concreto hic et nunc, o que evidentemente não pode ir sem o despertar de esperanças de mutações ousadas e substanciais e do seu clima emocional?
4º- Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos, se assim o entenderem e quando o entenderem, iniciem um mínimo de organização e acção políticas, a fim de estarem aptos, nas próximas eleições legislativas ou quando o julgarem oportuno, a concorrer ao sufrágio, com programa definido e com os candidatos que preferirem?
— Desejo precisar que, ao formular estas perguntas, não quero sugerir qualquer benevolência ou favor para com a actividade cívico-política dos católicos; antes, pelo contrário, penso que se não forem capazes de aguentar o desfavor e a animosidade do Poder, pouco podem merecer o respeito e a liberdade.
Apenas sugiro e peço, mas isso com toda a nitidez e firmeza, o respeito, a liberdade e a não-discriminação devidos ao cidadão honesto em qualquer sociedade civil.
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LEIA AQUI A CARTA DO BISPO DO PORTO:
https://www.fspes.pt/PaginadaNet/CartaaSalazar.pdf
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As questões de Dom António, redigidas em 1958, tiveram a consequência do seu exílio – uma decisão tomada por um governo “católico” e reconhecidamente grato à Ecclesia colaborante do regime, tudo a “Bem da Nação”. Mas o padre de Penafiel não cedeu, saiu e acabou por confessar: “afinal o desterro é a liberdade e alguma possível aspiração de verticalidade”- como explicou a quem o aceitou ouvir.
Verticalidade aqui quer dizer aquela capacidade de o indivíduo exercer a sua afirmação de acordo com as suas convicções sejam elas individuais, sociais ou religiosas; sendo, ao mesmo tempo, um apelo para que as “autoridades civis e religiosas” a promovam em todos os domínios, respeitando a área de acção (missão) de cada um.
Responder ainda hoje às questões de 58 constitui um desafio para todos, e com isso desaparecerá o interesse na quezília do Estado Laico que aparece como se fosse uma comichão que vai e vem de acordo com o interesse ideológico do momento.
Mas para os irmãos do “almoço de quinta-feira” aprofundar as mesmas questões talvez seja um imperativo para aclarar a narrativa necessária de modo a ocuparmos o espaço que é nosso e se encontra na fronteira das relações entre a Igreja e o Estado,
Num mundo global
Mais recentemente, em 27 de Maio de 2007, houve uma carta, desta vez de Bento XVI dirigida aos católicos da China que sendo lida por nós – que gozamos a delícia da separação de poderes- , nos interpela e aclara o campo de acção na espuma dos dias. Aqui fica um excerto podendo ler na íntegra de seguida:
(… ) Por isso, também a Igreja católica que está na China tem a missão não de mudar a estrutura ou a administração do Estado, mas de anunciar aos homens Cristo, Salvador do mundo, apoiando-se — no exercício do próprio apostolado — no poder de Deus. Como lembrava na minha Encíclica Deus caritas est, « a Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado.
Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem ».
À luz destes princípios irrenunciáveis, a solução dos problemas existentes não pode ser procurada através de um conflito permanente com as legítimas Autoridades civis; ao mesmo tempo, porém, não é aceitável uma rendição às mesmas quando elas interferem indevidamente em matérias relacionadas com a fé e a disciplina da Igreja.
As Autoridades civis bem sabem que a Igreja, no seu ensinamento, convida os fiéis a serem bons cidadãos, colaboradores respeitosos e activos do bem comum no seu País, mas é também claro que ela pede ao Estado para garantir aos mesmos cidadãos católicos o pleno exercício da sua fé, no respeito de uma autêntica liberdade religiosa. (…)
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VEJA AQUI A CARTA NA ÍNTEGRA:
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Por Arnaldo Meireles